João Guimarães Rosa
Não é segredo que João Guimarães Rosa nutria grande respeito e admiração por Minas Gerais. Mas, excedendo e levando isso ao limite, era também um apaixonado. Num texto publicado em 1957, o autor se declara. Veja a seguir:
Minas é a montanha, montanhas, o espaço erguido, a constante emergência, a verticalidade esconsa, o esforço estático; a suspensa região — que se escala. Atrás de muralhas, caminhos retorcidos, ela começa, como um desafio de serenidade. Aguarda-nos amparada, dada em neblinas, coroada de frimas, aspada de epítetos: Alterosas, Estado montanhês, Estado mediterrâneo, Centro, Chave da Abóbada, Suíça brasileira, Coração do Brasil, Capitania do Ouro, a Heroica Província, Formosa Província. O quanto que envaidece e intranquiliza, entidade tão vasta, feita de celebridade e lucidez, de cordilheira e História. De que jeito dizê-la? MINAS: patriazinha. Minas — a gente olha, se lembra, sente, pensa. Minas — a gente não sabe.
(...) É a Mata cismontana, molhada de ventos marinhos, agrícola ou madeireira, espessamente fértil. É o Sul, cafeeiro, assentado na terra-roxa de declives ou em colinas que europeias se arrumam, quem sabe uma das mais tranquilas jurisdições da felicidade neste mundo. É o Triângulo, avançado, forte, franco. É o Oeste, calado e curto nos modos, mas fazendeiro e político, abastado de habilidades. É o Norte, sertanejo, quente, pastoril, um tanto baiano em trechos, ora nordestino na intratabilidade da caatinga, e recebendo em si o Polígono das Secas. E o Centro corográfico, do vale do Rio das Velhas, calcário, ameno, claro, aberto à alegria de todas as vozes novas. É o Noroeste, dos chapadões, dos campos-gerais que se emendam com os de Goiás e da Bahia esquerda, e vão até ao Piauí e ao Maranhão.
(...) Só, e no mais: sem ti, jamais nunca — Minas, Minas Gerais, inconfidente, brasileira, paulista, emboaba, lírica e sábia, lendária, épica, mágica, diamantina, aurífera, ferrífera, ferrosa, férrica, balneária, hidromineral, jê, puri, acroá, goitacá, goianá, cafeeira, agrária, barroca, luzia, árcade, alpestre, rupestre, campestre, de el-rei, das minas, do ouro das minas, das pretas minas, negreira, mandigueira, moçambiqueira, conga, dos templos, santeira, quaresmeira, processional, granítica, de ouro em ferro, siderúrgica, calcárea, das perambeiras, serrana bela, idílica, ilógica, translógica, supralógica, intemporal, interna, leiteira, do leite e da vaca, das artes de Deus, do caos calmo, malasarte, conjuradora, adversa ao fácil, tijucana, januária, peluda, baeteira, tapiocana, catrumana, fabril, industriosa, industrial, fria, arcaica, mítica, enigmática, asiática, assombrada, salubre e salutar, assobradada, municipal, municipalíssima, paroquial, marília e heliodora, de pedra-sabão, de hematita compacta, da sabedoria, de Borba Gato, Minas joãopinheira, Minas plural, dos horizontes, de terra antiga, das lapas e cavernas, da Gruta de Maquiné, do Homem de Lagoa Santa, de Vila Rica, franciscana, barranqueira, bandoleira, pecuária, retraída, canônica, sertaneja, jagunça, clássica, mariana, claustral, humanista, política, sigilosa, estudiosa, comum, formiga e cigarra, labiríntica, pública e fechada, no alto afundada, toucinheira, metalúrgica, de liteira, mateira, missionária, benta e circuncisa, tropeira, borracheira, mangabeira, comboieira, rural, ladina, citadina, devota, cigana, amealhadora, mineral e intelectual, espiritual, arrieira, boiadeira, urucuiana, cordisburguesa, paraopebana, fluminense-das-velhas, barbacenense, leopoldinense, itaguarense, curvelana, belo-horizontina, do ar, do lar, da saudade, do queijo, do tutu, do milho e do porco, do angu, do frango com quiabo, Minas magra, capioa, enxuta, groteira, garimpeira, sussurrada, sibilada, Minas plenária, imo e âmago, chapadeira, veredeira, zebuzeira, burreira, bovina, vacum, forjadora, nativa, simplória, sabida sem desordem, sem inveja, sem realce, tempestiva, legalista, legal, governista, revoltosa, vaqueira, geralista, generalista, de não navios, de não ver navios, longe do mar, Minas sem mar, Minas em mim: Minas comigo. Minas.